terça-feira, 25 de setembro de 2012

Parte: 01 Resumos Das Falas Da 1ª Mesa Redonda


ALDEAMENTOS E COLÉGIOS: IMPLANTAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA COMPANHIA DE JESUS NA AMAZÔNIA PORTUGUESA (SÉCULO XVII)

Karl Heinz Arenz, UFPA

Durante todo o século XVII, a Amazônia portuguesa constituiu uma fronteira enquanto “espaço granular, descontínuo, sem estruturas fixas, permeado por vãos”. A viabilidade da possessão lusa na bacia amazônica dependeu da rápida integração dos povos indígenas ao projeto colonial, que prescrevia a catequização dos mesmos. No intuito de colaborar nesta tarefa, os jesuítas tentaram diversas vezes (1607, 1615, 1622, 1639, 1653) fixar-se no então Estado do Maranhão e Grão-Pará.

A sua implantação, que revelou ser um processo longo e complexo, foi impregnada pelas ideias e as ações de três personagens: Luís Figueira (1574-1643), António Vieira (1608-1697) – ambos de origem portuguesa – e o luxemburguês João Felipe Bettendorff (1625-1698). Cada um destes padres contribuiu a (re)fundar e consolidar a missão da Companhia de Jesus num contexto marcado por crises socioeconômicas e incertezas político-jurídicas. Luís Figueira foi o primeiro a apontar o grande potencial da região amazônica, tanto em vista da conversão promissora do grande contingente de povos indígenas quanto em razão da exploração das riquezas naturais, tornando-se o fundador oficial da Missão em 1639; Antônio Vieira retomou, depois da morte trágica de Figueira (1643), o projeto missionário, obtendo, em 1655, a tutela exclusiva dos inacianos sobre os índios e expandindo a rede de aldeamentos; João Felipe Bettendorff consolidou a Missão após o levante dos colonos e a expulsão de Vieira (1661), buscando um compromisso viável para moradores e religiosos.

Os aldeamentos ocuparam um lugar primordial no projeto jesuítico. Destinados a fomentar a conversão dos índios ao cristianismo, estes estabelecimentos catequéticos revelaram ser, desde a sua introdução nos primórdios da colonização, núcleos habitacionais de grande importância estratégica, demográfica e econômica. De fato, as missões forneceram uma mão de obra servil – durante décadas a única disponível – cujos conhecimentos das florestas e várzeas eram imprescindíveis para a coleta das drogas do sertão e a implementação de uma agricultura extensiva. Por isso, grande parte da legislação colonial concernente ao Estado do Maranhão e Graõ-Pará tratou do status jurídico e das condições de trabalho das populações aldeadas sob o controle vigilante dos missionários.

Os inacianos provaram ser muito zelosos em seus intentos de negociar, em diversas ocasiões (1655, 1680 e 1686), um enquadramento legal para as missões que impedisse qualquer interferência direta por parte das autoridades e dos colonos. A expressiva autonomia contribuiu a engendrar, no seio dos aldeamentos, um complexo sistema de relações interculturais entre índios e missionários que instaurou um “jogo de comunicação” de dimensão convergente. Ambos os agentes sociais foram forçados a (re-)significar certos padrões de vida – tanto os seus como os dos outros –, estabelecendo códigos culturais compartilhados.

De fato, a historiografia referente às missões partiu durante muito tempo e de forma quase exclusiva do binário antagônico “vencedores-vencidos”, julgando, de um a lado, os missionários ou como impostores coloniais ou heróis civilizadores, e, de outro lado, relegando os índios a um papel ou de vítimas passivas ou de resistentes combativos. Na realidade, o quotidiano nestas aldeias catequéticas – lugar de intenso convívio social devido a uma crescente convergência ritual-simbólica – propiciou o surgimento de um modo de vida compartilhado entre missionários e índios, além dos dogmas e regulamentos oficialmente estabelecidos. Assim, a organização clânica, a produção e a propriedade comunitárias, o saber terapêutico, certas danças rituais e a “língua geral” – o nheengatu – tornaram-se elementos culturais típicos no interior das missões inacianas; presentes, aliás, até hoje no modo de viver dos ribeirinhos ou caboclos da Amazônia. Os religiosos favoreceram assim, já no século XVII, uma homogeneização cultural de matriz indígena para lidar melhor com a multiplicidade das culturas ameríndias.

Como no Estado do Brasil – mais ao sul –, os padres basearam-se na macrocultura tupi, embora muitos povos indígenas da Amazônia não pertencessem a este universo étnico-linguístico. Foram os Tupinambás, estabelecidos ao longo o litoral atlântico entre o Pará e o Maranhão, que serviram de referência cultural para os missionários. Os dois colégios da Missão do Maranhão, em São Luís e Belém, tiveram, ao longo do século XVII, um papel fundamental enquanto centros de administração, reflexão, oração, formação, repouso, abastecimento e comércio. Assim, a rede dos aldeamentos foi diretamente gerenciada a partir destas casas centrais que marcam até hoje a silueta do centro histórico das duas cidades.

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