ALDEAMENTOS E
COLÉGIOS: IMPLANTAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA COMPANHIA DE JESUS NA AMAZÔNIA
PORTUGUESA (SÉCULO XVII)
Karl Heinz
Arenz, UFPA
Durante todo o século
XVII, a Amazônia portuguesa constituiu uma fronteira enquanto “espaço granular,
descontínuo, sem estruturas fixas, permeado por vãos”. A viabilidade da possessão
lusa na bacia amazônica dependeu da rápida integração dos povos indígenas ao projeto
colonial, que prescrevia a catequização dos mesmos. No intuito de colaborar
nesta tarefa, os jesuítas tentaram diversas vezes (1607, 1615, 1622, 1639,
1653) fixar-se no então Estado do Maranhão e Grão-Pará.
A sua implantação, que
revelou ser um processo longo e complexo, foi impregnada pelas ideias e as
ações de três personagens: Luís Figueira (1574-1643), António Vieira
(1608-1697) – ambos de origem portuguesa – e o luxemburguês João Felipe
Bettendorff (1625-1698). Cada um destes padres contribuiu a (re)fundar e
consolidar a missão da Companhia de Jesus num contexto marcado por crises
socioeconômicas e incertezas político-jurídicas. Luís Figueira foi o primeiro a
apontar o grande potencial da região amazônica, tanto em vista da conversão
promissora do grande contingente de povos indígenas quanto em razão da
exploração das riquezas naturais, tornando-se o fundador oficial da Missão em
1639; Antônio Vieira retomou, depois da morte trágica de Figueira (1643), o
projeto missionário, obtendo, em 1655, a tutela exclusiva dos inacianos sobre
os índios e expandindo a rede de aldeamentos; João Felipe Bettendorff
consolidou a Missão após o levante dos colonos e a expulsão de Vieira (1661),
buscando um compromisso viável para moradores e religiosos.
Os aldeamentos ocuparam
um lugar primordial no projeto jesuítico. Destinados a fomentar a conversão dos
índios ao cristianismo, estes estabelecimentos catequéticos revelaram ser,
desde a sua introdução nos primórdios da colonização, núcleos habitacionais de
grande importância estratégica, demográfica e econômica. De fato, as missões
forneceram uma mão de obra servil – durante décadas a única disponível – cujos
conhecimentos das florestas e várzeas eram imprescindíveis para a coleta das
drogas do sertão e a implementação de uma agricultura extensiva. Por isso,
grande parte da legislação colonial concernente ao Estado do Maranhão e
Graõ-Pará tratou do status jurídico e das condições de trabalho das populações
aldeadas sob o controle vigilante dos missionários.
Os inacianos provaram
ser muito zelosos em seus intentos de negociar, em diversas ocasiões (1655,
1680 e 1686), um enquadramento legal para as missões que impedisse qualquer
interferência direta por parte das autoridades e dos colonos. A expressiva
autonomia contribuiu a engendrar, no seio dos aldeamentos, um complexo sistema
de relações interculturais entre índios e missionários que instaurou um “jogo
de comunicação” de dimensão convergente. Ambos os agentes sociais foram
forçados a (re-)significar certos padrões de vida – tanto os seus como os dos
outros –, estabelecendo códigos culturais compartilhados.
De fato, a historiografia
referente às missões partiu durante muito tempo e de forma quase exclusiva do
binário antagônico “vencedores-vencidos”, julgando, de um a lado, os
missionários ou como impostores coloniais ou heróis civilizadores, e, de outro
lado, relegando os índios a um papel ou de vítimas passivas ou de resistentes
combativos. Na realidade, o quotidiano nestas aldeias catequéticas – lugar de intenso
convívio social devido a uma crescente convergência ritual-simbólica –
propiciou o surgimento de um modo de vida compartilhado entre missionários e
índios, além dos dogmas e regulamentos oficialmente estabelecidos. Assim, a
organização clânica, a produção e a propriedade comunitárias, o saber
terapêutico, certas danças rituais e a “língua geral” – o nheengatu – tornaram-se elementos culturais típicos no interior das
missões inacianas; presentes, aliás, até hoje no modo de viver dos ribeirinhos
ou caboclos da Amazônia. Os religiosos favoreceram assim, já no século XVII,
uma homogeneização cultural de matriz indígena para lidar melhor com a
multiplicidade das culturas ameríndias.
Como no Estado do
Brasil – mais ao sul –, os padres basearam-se na macrocultura tupi, embora
muitos povos indígenas da Amazônia não pertencessem a este universo
étnico-linguístico. Foram os Tupinambás, estabelecidos ao longo o litoral
atlântico entre o Pará e o Maranhão, que serviram de referência cultural para
os missionários. Os dois
colégios da Missão do Maranhão, em São Luís e Belém, tiveram, ao longo do
século XVII, um papel fundamental enquanto centros de administração, reflexão, oração,
formação, repouso, abastecimento e comércio. Assim, a rede dos aldeamentos foi
diretamente gerenciada a partir destas casas centrais que marcam até hoje a
silueta do centro histórico das duas cidades.
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